Depois de muita pressão de estudantes, reitores, secretários estaduais de Educação e do Legislativo federal, o Ministério da Educação (MEC) anunciou ontem que as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deste ano não serão mais realizadas em novembro devido aos impactos da pandemia do novo coronavírus. A avaliação, segunda maior do planeta (só perde para o gaokao, vestibular chinês), foi adiada por no mínimo 30 dias e no máximo 60 dias, a contar das datas inicialmente previstas, 1º e 8 de novembro no modelo tradicional e 22 e 29 de novembro no formato digital. O novo capítulo desse debate, portanto, é definir quando os testes vão ser aplicados.
A escolha das novas datas será baseada no resultado de uma consulta aos candidatos do Enem, segundo o MEC. Até as 16h de ontem, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia responsável pelo exame, informou que havia 4,3 milhões de inscritos. O adiamento das provas não interferiu no período de inscrições. Interessados em fazer a avaliação devem se cadastrar no site do Inep até 23h59 de amanhã. A taxa para participar é de R$ 85. Com a nota do Enem, qualquer pessoa pode concorrer a vagas de graduação em mais de 120 universidades públicas, por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), aberto duas vezes ao ano. As três universidades federais e a esta dual de Pernambuco fazem parte do Sisu (UFPE, UFRPE, Univasf e UPE).
“O MEC defende que as mais de 4 milhões de pessoas já inscritas na edição deste ano do Enem possam escolher a melhor data para aplicação da prova. Para isso, fará uma consulta opcional aos candidatos, via portal do Enem, de forma democrática, segura e transparente”, informa o ministério. A previsão é realizar a enquete no final de junho. Questionado se vai apresentar datas na consulta para serem votadas ou deixar que os estudantes indiquem livremente, o MEC não respondeu à reportagem do JC.
ALÍVIO “O sentimento é de alívio. Com certeza a mobilização dos estudantes interferiu na decisão do MEC. Seria desleal manter as datas principalmente para alunos de escolas públicas que não têm acesso a aulas a distância”, diz Jorge Cerqueira Filho, 17 anos, fera de medicina e aluno do Colégio GGE. Ele assiste a aulas remotas todos os dias.
“Fiquei feliz porque teremos oportunidade de nos preparar melhor. Por mais que a gente se dedique em casa, não é a mesma coisa que ter aula na escola”, afirma Douglas Lima, 17, vestibulando de letras e estudante da Escola Técnica Estadual Dom Bosco, que fica em Casa Amarela, Zona Norte do Recife. Em Pernambuco, as aulas presenciais estão suspensas desde 18 de março.
Não foi fácil convencer o governo federal a adiar o Enem. Apesar de processos judiciais e pedidos formais de diversas entidades como o Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (Consed) e a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), além da cobrança de deputados e senadores, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, se negava a mudar as datas.
A situação ficou insustentável anteontem, quando o Senado aprovou a suspensão das provas em razão do estado de calamidade pública provocado pela pandemia. Dos 76 votos, apenas um, do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, foi contrário à proposta. O adiamento seria votado novamente ontem, desta vez na Câmara dos Deputados. Faltavam menos de 10 minutos para o início da sessão quando o Inep e o MEC soltaram nota conjunta informando sobre o adiamento da avaliação.
Informações de bastidores são de que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), teria conversado com Jair Bolsonaro ontem de manhã e o aconselhado a anunciar logo a postergação das provas. Assim, evitaria perder duas vezes no Legislativo federal, uma vez que a aprovação da proposta era tida como certa. À tarde, veio o anúncio de Bolsonaro, publicado em suas redes sociais. “Por causa dos efeitos da pandemia de covid-19 e para que os alunos não sejam prejudicados pela mesma (sic), decidi, juntamente com o Presidente da Câmara dos Deputados, adiar a realização do Enem 2020, com data a ser definida”, escreveu o presidente.
Foi um pleito do Consórcio Universitas, formado pelas universidades de Pernambuco, e da Andifes. Precisamos garantir equidade, principalmente para alunos que não têm condições de estudar neste momento”, observa o reitor da UFRPE, Marcelo Carneiro Leão.
Nenhum Estado sabe quando as aulas presenciais serão retomadas. O adiamento do Enem dá mais tempo para que possamos discutir novas datas, em função do cenário da pandemia”, diz o secretário de Educação de Pernambuco e presidente interino do Consed, Fred Amancio.
O adiamento do Enem era necessário pois estamos vivendo uma situação de imprevisibilidade. As universidades, por exemplo, suspenderam as atividades presenciais e terão que rever os calendários letivos”, comenta o reitor da UFPE, Alfredo Gomes.
É uma vitória da mobilização feita pela comunidade da educação, sobretudo estudantes e professores da rede pública. Agora, teremos mais tempo para reduzir as desigualdades no ensino trazidas pela pandemia”, afirma o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.