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[G1] Especialistas alertam sobre impactos de construção de estrada em área de preservação ambiental e sugerem aproveitar rodovias já existentes

Especialistas alertam sobre impactos de construção de estrada em área de preservação ambiental e sugerem aproveitar rodovias já existentes

Pelo edital de licitação, o início do Arco Metropolitano Norte seria perto do Engenho Monjope, em Igarassu, passando pela Estrada da Pitanga e cortando a Estrada de Aldeia, em Camaragibe, até a BR-408, em São Lourenço da Mata. Esse trajeto passa por área da Mata Atlântica.

Por Bruno Fontes, TV Globo

 

Com dois consórcios de empresas na disputa para realizar os projetos do Arco Metropolitano Norte, especialistas demostram preocupação com a possibilidade de a estrada passar por uma área da Mata Atlântica na Área de Preservação Ambiental (APA) Aldeia/Beberibe, no Grande Recife. Além de listar os impactos da obra para a natureza, eles sugerem aproveitar rodovias que já existem, como a PE-041 (veja vídeo acima).

No projeto proposto pelo edital de licitação, o Arco Metropolitano Norte começaria perto do Engenho Monjope, em Igarassu, passando pela Estrada da Pitanga e cortando a Estrada de Aldeia, em Camaragibe, até a BR-408, em São Lourenço da Mata. Especialistas ouvidos pela TV Globo disseram que o governo de Pernambuco pode evitar o corte da Mata Atlântica que ainda resta no estado.

Segundo especialistas, o governo de Pernambuco pode evitar o corte da Mata Atlântica que ainda resta no estado — Foto: Reprodução/TV Globo

Segundo especialistas, o governo de Pernambuco pode evitar o corte da Mata Atlântica que ainda resta no estado — Foto: Reprodução/TV Globo

O arquiteto Cesar Barros Atikum e a doutora em gestão ambiental da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Soraya El Deyer, afirmaram que o mapa usado como referência no edital faz parte de um estudo da Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco (Condepe/Fidem) feito na década de 1980.

 

“É lastimável que o governo insista em um desenho que tem mais de 30 anos, que não tenha evoluído e não tenha tido ouvidos para a questão ambiental, a questão social e mesmo a questão econômica. Porque na hora que você pega uma área preservada e você fragmenta, isso tem rebatimento em praticamente todos os setores sociais e ambientais”, disse a professora.

 

Ainda segundo Soraya, é necessário que que o governo fique sensível ao pleito tanto das comunidades que moram nessas áreas quanto da necessidade de se investir na preservação dos ecossistemas e não na fragmentação.

Soraya El Deyer afirma que estrada em área de preservação causará impacto praticamente a todos os setores sociais e ambientais — Foto: Reprodução/TV Globo

Soraya El Deyer afirma que estrada em área de preservação causará impacto praticamente a todos os setores sociais e ambientais — Foto: Reprodução/TV Globo

Ela explicou que, fragmentando e cortando esse ambiente, “você também corta a vida de milhares de seres que dependem desse ambiente”, citando também que há animais e plantas que são extremamente sensíveis a movimentação, presença, cheiro e barulho.

“Colocando uma via de alta densidade de locomoção, com veículos pesados, que são emissores de gases poluentes, além de uma propagação de som que não é habitual naquela região, vai alterar desde o comportamento de animais até a densidade populacional, gerando a morte dos mais sensíveis e podendo existir a extinção de alguns. Isso se configura numa tragédia ambiental”, afirmou.

Para o arquiteto Cesar Barros Atikum, não faz sentido passar uma via dessa magnitude por uma área de proteção ambiental — Foto: Reprodução/TV Globo

Para o arquiteto Cesar Barros Atikum, não faz sentido passar uma via dessa magnitude por uma área de proteção ambiental — Foto: Reprodução/TV Globo

Cesar Barros Atikum disse que a discussão sobre o projeto passar pela área de Mata Atlântica sequer deveria existir. Para ele, não faz sentido passar uma via dessa magnitude por uma área de proteção ambiental.

“A gente tem que estar discutindo agora é como ela vai passar circulando a APA e qual a maneira mais apropriada, considerando os fatores econômicos, como a união dos polos industriais, a conexão, criação de novos empreendimentos e não estar pensando em uma via passando por uma APA, que só vai gerar transtornos e colapso ambiental”, contou o arquiteto.

Especialistas alertam que mapa usado como referência no edital faz parte de um estudo feito na década de 1980  — Foto: Reprodução/TV Globo

Especialistas alertam que mapa usado como referência no edital faz parte de um estudo feito na década de 1980 — Foto: Reprodução/TV Globo

A alternativa, de acordo com especialistas em arquitetura e gestão ambiental, seria levar a rodovia para a borda da área de preservação ambiental e não cortar a floresta.

“Nós temos que contemplar, além da questão econômica, a questão da mobilidade, mas não podemos esquecer todas as repercussões ambientais e sociais. Então, aproveitar o traçado da PE-041 entre outros que existem de Igarassu até chegar a São Loureço é mais do que salutar. Vai ser um percurso um pouco maior, mas se justifica pela importância ambiental que tem o território”, disse Cesar.

 

Espécies endêmicas

Algumas espécies são encontradas apenas nesta região da Mata Atlântica, segundo especialistas — Foto: Reprodução/TV Globo

Algumas espécies são encontradas apenas nesta região da Mata Atlântica, segundo especialistas — Foto: Reprodução/TV Globo

A distância entre a Estrada da Pitanga e um dos riachos do Rio Utinga, ambos em Igarassu, é de um quilômetro. De acordo com a bióloga Gabriela Leite, a área tem uma porção da Mata Atlântica chamada de centro de endemias em Pernambuco devido ao número de espécies endêmicas, que são aquelas encontradas exclusivamente em uma região geográfica.

“Essa faixa de Mata Atlântica que vai de Alagoas até o Rio Grande do Norte tem esse nome justamente porque é uma porção que tem um número muito expressivo de espécies que só aparecem nessa região e em nenhum outro lugar no mundo”, declarou.

Bióloga Gabriela Leite diz que a construção do arco viário preocupa — Foto: Reprodução/TV Globo

Bióloga Gabriela Leite diz que a construção do arco viário preocupa — Foto: Reprodução/TV Globo

Segundo a bióloga, a construção do arco viário preocupa porque a APA Aldeia/Beberibe, além de estar em um local da Mata Atlântica muito rico em biodiversidade e com espécies que só ocorrem aqui, abriga o maior remanescente de Mata Atlântica que sobrou ao norte do Rio São Francisco.

“E o arco viário pelo traçado proposto no edital passaria cortando esse remanescente, então nós iríamos perder esse grande remanescente de Mata Atlântica, que é basicamente o pouco que nos sobrou aqui no Nordeste”, falou.

No trecho de mata fechada, perto do quilômetro 17 da Estrada de Aldeia, fica a Mata da Pitanga, que é exatamente onde uma das empresas que concorrem no edital de licitação do governo sugere a construção da rodovia do Arco Metropolitano.

A estrada que passa nesse local tem o mesmo nome da mata: Estrada da Pitanga, onde é possível encontrar animais silvestres ou ameaçados de extinção.

Morador de Aldeia e apaixonado pela natureza, Mozart Souto está preocupado com a obra — Foto: Reprodução/TV Globo

Morador de Aldeia e apaixonado pela natureza, Mozart Souto está preocupado com a obra — Foto: Reprodução/TV Globo

Morador de Aldeia e apaixonado pela natureza, Mozart Souto contou que são encontrados animais raros, como o pintor-verdadeiro, o pintassilgo-do-nordeste e o gavião-de-pescoço-branco, que é considerado um dos mais raros do mundo.

“Essa mata foi alvo de um estudo científico de pesquisadores da UFPE [Universidade Federal de Pernambuco] e UFRPE e foram detectadas 220 espécies de aves. Dessas, 16 estão ameaçadas e 12 são endêmicas aqui dessa região. Então é uma pena danificar o habitat desses animais”, afirmou.

Mozart Souto também disse que existe a opção de o arco passar por Araçoiaba e, dessa forma, desenvolver a região.

“Araçoiaba, Carpina, [BR-]408, BR-101. Eu conheço muito bem essa região e sei a necessidade do arco, sendo que a gente não concorda e nem aceita que esse arco fragmente mais uma vez esse bioma tão sofrido, tendo a opção de passar por Araçoiaba”, declarou.

 

O que diz o governo

Presidente da Ad-Diper, Roberto Abreu e Lima, afirmou que região se torna cada vez mais atrativa para novas empresas — Foto: Reprodução/TV Globo

Presidente da Ad-Diper, Roberto Abreu e Lima, afirmou que região se torna cada vez mais atrativa para novas empresas — Foto: Reprodução/TV Globo

Segundo o governo, o traçado do arco não está definido e vai ser discutido com a sociedade. A Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (AD-Diper) disse que, quando o arco estiver pronto, a questão ambiental será respeitada com o desenvolvimento do polo industrial de Goiana.

De acordo com o presidente da Ad-Diper, Roberto Abreu e Lima, a região se torna cada vez mais atrativa para novas empresas, especialmente com a chegada do arco.

“O volume de indústria é considerável, porque nós temos alguns polos, a exemplo do automotivo, com mais de 20 empresas. Temos o polo de bebidas, o polo vidreiro, o fármaco-químico, usinas de açúcar e empresas fabricantes de embalagens de papel”, declarou.

Governo diz que a construção do arco vai diminuir o tráfego de caminhões na BR-101 — Foto: Reprodução/TV Globo

Governo diz que a construção do arco vai diminuir o tráfego de caminhões na BR-101 — Foto: Reprodução/TV Globo

O governo também afirmou que a construção do arco vai diminuir o tráfego de caminhões na BR-101, nas proximidades de Igarassu e Abreu e Lima e facilitar o transporte dos produtos das indústrias de Goiana ao Porto de Suape.

“É uma obra que vai não só liberar o tráfego pesado dentro da Região Metropolitana principalmente Recife, mas vai propiciar avançar a fronteira do desenvolvimento para o interior, vai facilitar que as empresas do interior tenham acesso a Suape, e, hoje em dia, a logística é um fator muito impactante nos custos das empresas”, disse.

 

Percorrendo a PE-041

A equipe da TV Globo saiu da entrada da Usina São José, na PE-041, para tentar chegar na BR-408, fazendo o caminho proposto para evitar o corte da Mata Atlântica no trecho do Engenho Monjope. É o percurso sugerido pelo Fórum Socioambiental de Aldeia (veja vídeo acima).

No quilometro três da PE-041, aparecem poucas árvores da Mata Atlântica. Mais adiante, no quilômetro cinco, há indústrias de produtos químicos. Alguns motoristas param em um terminal para levar trabalhadores das fábricas.

 

“Diariamente aqui passa também quem vem de Goiana, João Pessoa, Fortaleza. Carros pesados. Combustível sai por aqui, vai para Araçoiaba, Carpina, Paudalho, então é uma boa rota para se cortar caminho”, disse o motorista José Tomaz de Oliveira.

 

No trecho de indústria, um lago que faz parte da Mata Atlântica precisa ser preservado. É proibido caçar e pescar. No quilômetro 11, fica a sede da Usina São José, que pode produzir 400 mil toneladas de açúcar por ano.

No quilômetro 20, tem início do município de Araçoiaba, um dos mais pobres do Brasil, de acordo com o IBGE — Foto: Reprodução/TV Globo

No quilômetro 20, tem início do município de Araçoiaba, um dos mais pobres do Brasil, de acordo com o IBGE — Foto: Reprodução/TV Globo

No quilômetro 12, entre algumas partes da Mata Atlântica e do canavial, foram construídas duas usinas termoelétricas. No quilômetro 20, é o início do município de Araçoiaba, um dos mais pobres do Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Na Avenida João Pessoa Guerra, existe um terminal de ônibus e vans. Marcos Aurélio é motorista e trabalha no local. “Passar uma nova rodovia aqui vai aliviar Abreu e Lima, Paulista. É uma boa pra todos nós”, afirmou.

O educador social Eduardo Freitas diz que uma estrada passando por Araçoiaba seria bom para o município — Foto: Reprodução/TV Globo

O educador social Eduardo Freitas diz que uma estrada passando por Araçoiaba seria bom para o município — Foto: Reprodução/TV Globo

O educador social Eduardo Freitas contou que ter uma estrada passando por Araçoiaba seria bom para o município. “Por ser o último município da Região Metropolitana, seria muito bom passar a rodovia aqui para que a cidade cresça”, disse.

Araçoiaba tem uma posição privilegiada caso o Arco Metropolitano Norte passe pela cidade. Fica a 22 quilômetros de Aldeia, a 38 quilômetros de Camaragibe e a 42 quilômetros do Recife. Também dá acesso a Carpina, pela PE-041, chegando à BR-408.

No quilômetro 24 da PE-041, a comerciante Rosa Queiroz tem uma padaria no Centro de Araçoiaba. Ela tem esperança de que a PE-041 seja duplicada e possa integrar o Arco Metropolitano.

A comerciante Rosa Queiroz tem esperança de que a PE-041 seja duplicada e possa integrar o Arco Metropolitano — Foto: Reprodução/TV Globo

A comerciante Rosa Queiroz tem esperança de que a PE-041 seja duplicada e possa integrar o Arco Metropolitano — Foto: Reprodução/TV Globo

“A gente, para ir para o Recife, às vezes segue por Carpina; para ir para Igarassu, às vezes por Paulista, não tem como chegar na Ceasa para fazer uma compra. Então, iria melhorar muito”, contou.

Às margens do quilômetro 25, há a mata do Campo de Instrução Marechal Newton Cavalcante, do Excército. No quilômetro 31, existe mata de um lado e plantação de cana no outro. No quilômetro 37, fica a entrada do Engenho Olho D´água.

O shopping de Carpina fica no quilômetro 43. Mais à frente, no quilômetro 46, é o fim da PE-041. Em seguida, é possível pegar a BR-408 em direção ao Recife e ao Porto de Suape.

Link: https://g1.globo.com/pe/pernambuco/noticia/2021/04/30/especialistas-aler...