Paleontólogos e pesquisadores falam sobre nova espécie de crocodilo pré-histórico
Não é segredo que a região de Presidente Prudente (SP) é destaque quando se fala em descobertas pré-históricas. Muitos fósseis raros já foram encontrados em sedimentos do Oeste Paulista. E, recentemente, foi divulgada uma nova espécie de crocodiliforme que viveu há cerca de 90 milhões de anos, cujos materiais foram recuperados no distrito de Coronel Goulart, em Álvares Machado (SP), o Coronelsuchus civali.
O achado envolve dentes, ossos do crânio e pós-crânio provenientes das rochas da Formação Araçatuba, datando de cerca de 90 milhões de anos atrás (idade geológica conhecida como Turoniano).
No mês passado, o estudo sobre o chamado Coronelsuchus civali foi revelado por pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em parceria com outros pesquisadores do Museu Nacional (MN/UFRJ), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade Federal do Acre (UFAC) e da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) em publicação na revista científica Anais da Academia Brasileira de Ciências.
icha técnica do Coronelsuchus civali — Foto: Felipe Alves Elias/Imagem digital
O nome “Coronelsuchus” significa “crocodilo de Coronel”, em homenagem ao distrito de Coronel Goulart, que fica no município de Álvares Machado, local onde foi coletado, e “civali” faz homenagem ao senhor Cival, dono da propriedade onde os fósseis desta nova espécie foram encontrados.
No artigo, os pesquisadores interpretaram, através do estudo das rochas sedimentares, que o animal habitou as margens de um imenso e raso lago onde viviam moluscos, peixes e tartarugas, além de outros crocodilos de famílias distintas.
Crânio do espécime FFP PG 13 referente ao Coronelsuchus civali: A- foto da vista dorsal; B- desenho estruturas da vista dorsal; C- detalhe da região da nuca (occipital). Escala: 1cm (centímetro) cada barra — Foto: Arquivo pessoal/André Piacentini Pinheiro
Descoberta
Em entrevista ao G1, o paleontólogo Paulo Victor Pereira contou que essas descobertas na região de Presidente Prudente acontecem há dezenas de anos e que o grupo estuda a localidade desde meados de 2000, com pesquisas e prospecção de fósseis (assista ao vídeo no início desta reportagem).
“Essa nova espécie foi descoberta num afloramento na região de Coronel Goulart, distrito de Álvares Machado, que é uma região muito rica em fósseis”, acrescentou a pesquisadora Kamila Luísa Bandeira.
A paleontóloga ainda colocou que é a primeira vez que uma espécie nova de vertebrado é encontrada no distrito.
Detalhe da dentição do espécime FFP PG 14 referente ao Coronelsuchus civali. A e B - dentes da maxilar superior (maxilar); C e D - dentes mandibulares. Escala: 1mm (milímetro) — Foto: Arquivo pessoal/André Piacentini Pinheiro
Identificação e características
A nova espécie está “totalmente extinta”, ou seja, não traz descendentes aos dias atuais, conforme salientou ao G1 o paleontólogo André Piacentini Pinheiro, que também coordena os estudos. Sendo assim, a preservação do material fóssil localizado foi importante para a identificação da espécie.
“Através, tanto das feições do crânio, quanto das feições dentárias, a gente estudou e comparou com tudo que já tinha na literatura, a gente fez uma ampla pesquisa em base de dados, a gente requisitou várias coleções para comparar esses materiais a ponto de eu ver que realmente se tratava de algo inédito, uma espécie até então desconhecida pela ciência”, relatou Pinheiro.
Toda a pesquisa em bibliografia e análises auxiliaram na constatação de que o grupo não está lidando com “mais do mesmo”.
“Como os dentes trouxeram características únicas, nenhum crocodiliano encontrado até então, nem no Grupo Bauru nem em outra localidade do mundo, exibe o tipo de dentes, a especificidade, as singularidades anatômicas, que os dentes do Coronelsuchus civali trazem”, destacou Pinheiro ao G1.
Segundo ele, outras características cranianas também foram importantes na identificação.
Sobre a morfologia e a anatomia do animal, os pesquisadores chegaram à conclusão de que ele era relativamente pequeno, conforme cálculos de proporções anatômicas. “O Coronelsuchus civali deveria chegar a uma altura de 40 centímetros, elevada do chão, por mais ou menos um metro, um metro e meio de comprimento”, descreveu ao G1.
Pela relação dos ossos e por várias características de fêmur e patas traseiras, foi identificado que era um grupo de animais terrestres; já pela dentição, chegou-se à conclusão de que não se alimentava como espécimes atuais, conforme explicou Pinheiro:
- Os crocodilianos de hoje possuem uma dentição mais especializada em agarrar e afogar a presa, mantendo-a fixa na boca. Após a morte da tal presa, o crocodiliano a desmembra e engole os pedaços.
- Os animais da linhagem do Coronelsuchus civali eram completamente terrestres, andavam mais eretos, como cães e porcos, e a dentição indicou que eles mastigavam a matéria antes de engolir.
Preparação do material referente ao Coronelsuchus civali — Foto: Arquivo pessoal/André Piacentini Pinheiro
Redescoberta
Interessado pela paleontologia desde pequeno, o paleontólogo Paulo Pereira resumiu ao G1 que é um prazer atuar na ciência que é a base para “descrever e visualizar o passado da vida no nosso planeta, e dar base a um dos fundamentos da biologia, que é a evolução”.
“Imaginem qual é o prazer [de] ver pela primeira vez um fóssil, uma nova espécie, ser o primeiro ser humano a ver aquele animal novamente, um animal que viveu há 90 milhões de anos. Você está redescobrindo ele, lançando ele de volta aos olhos da humanidade, da ciência”, enfatizou.
Bloco recém-extraído contendo fósseis do Coronelsuchus civali — Foto: Arquivo pessoal/André Piacentini Pinheiro
Com tantas boas descobertas, o objetivo também é promover a região e os estudos de paleontologia, e até o turismo científico da área. "É um conhecimento importante, bastante elucidativo, e que a gente gostaria que fosse mais acessível", acrescentou ao G1 André Pinheiro.
“A gente está completando um quebra-cabeça biológico bastante amplo e, por exemplo, o que traz para a região é a possibilidade de centros de estudos, até a implementação de museus”, comentou ainda.
Consequentemente, por meio do turismo científico, haveria aumento da movimentação social e econômica no distrito de Coronel Goulart, segundo vislumbrou o paleontólogo.
Kamila Bandeira ainda acrescentou ao vislumbre do possível desenvolvimento a criação de empregos.
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Continuam os estudos
Os pesquisadores continuam focados nos materiais localizados no Oeste Paulista, já que ainda há fósseis em blocos de pedras em preparação para estudos.
Entre eles, estão ninhos que foram encontrados no local, que estão em avaliação para saber se aqueles ovos fossilizados são ou não do Coronelsuchus civali.
Além disso, os pesquisadores pretendem voltar a campo ainda neste ano no Oeste Paulista para continuarem com as coletas de materiais e prosseguirem com os estudos.
Troca de conhecimento
Um diferencial do grupo é a promoção de atividades com a população para a “troca de conhecimento”, conforme lembrou ao G1 Kamila Bandeira.
“É uma troca muito importante, tirar esse engessamento da universidade e levar para o público, porque nós, pesquisadores, não conseguimos fazer ciência sem vocês”, pontuou.
Atividade de extensão no Ginásio Municipal de Esportes de Alfredo Marcondes (SP) — Foto: Arquivo Pessoal/André Piacentini Pinheiro
Novo grupo sistemático
O Coronelsuchus civali possui características únicas em sua dentição e provavelmente se alimentava de carcaças, animais mais duros, como moluscos, e, quem sabe, até ovos de tartarugas.
De acordo com os pesquisadores, os achados ajudam na compreensão das relações de parentesco entre várias espécies de crocodilos fósseis do período Cretáceo dos estados de São Paulo e de Minas Gerais, pois, com a nova espécie, foi possível definir um grupo novo sistemático para esses animais, denominado de Sphagesauria.
“A nova espécie é tida como um membro basal de Sphagesauria, grupo notosuquiano (Notosuchia) mais diverso durante o Cretáceo Superior da América do Sul, e provavelmente surgido em épocas pré-turonianas. O grupo incluiu formas terrestrializadas e de hábitos alimentares variados, inclusive onívora. Geologicamente, o novo táxon é o primeiro crocodiliforme dos depósitos superiores da Formação Araçatuba (Grupo Bauru), que indica o potencial fossilífero para esta formação para o estudo de Crocodyliformes”, informaram os autores.
Os pesquisadores André Eduardo Piacentini Pinheiro (FFP/UERJ), Felipe Medeiros Simbras (UFRPE), Lucy G. de Souza (UFAC/MUSA), Kamila L.N. Bandeira (MN/UFRJ), Arthur S. Brum (MN/UFRJ), Paulo Victor Luiz G.C. Pereira (UFRJ Fundão), Luís Otávio R. de Castro (UFRJ Fundão) e Renato R.C. Ramos (MN/UFRJ) participam das pesquisas.
Kamila Bandeira em trabalho de campo no distrito de Coronel Goulart — Foto: Arquivo pessoal/André Piacentini Pinheiro
Link: http://ufrpe.br/br/content/jc-um-m%C3%AAs-da-morte-de-f%C3%A1bio-hazin-p...