PE: Questionado na Justiça, bônus regional na nota do Enem pode virar lei
Instituições de ensino dão acréscimos de 10% na nota do Enem para estudantes residentes na região em que fica o campus
Vinícius Sobreira
Brasil de Fato | Recife (PE) |
O processo de interiorização das universidades e institutos federais de ensino técnico e superior, seguido da adoção do Enem como prova única e o Sisu como sistema de seleção, foram mudanças que representaram avanços na educação técnica e superior no Brasil. Mas ela não está imune a distorções. O Sisu, por exemplo, permitiu que estudantes de grandes centros pudesse concorrer a vagas em localidades menores. E muitos destes estudantes retornam aos seus estados e cidades de origem logo após se formarem, fazendo com que a região não se beneficie tanto quanto poderia daquele conhecimento gerado na universidade.
Numa tentativa de corrigir esses problemas, algumas instituições passaram a adotar políticas de “inclusão regional”, seja com a reserva de vagas para estudantes oriundos da região, seja com bônus (acréscimo) de nota. Na região nordeste a maioria das instituições que adotaram a política, o fazem através do bônus. Em Pernambuco o sistema é adotado no IFPE, IF Sertão, UFRPE, UPE, UFAPE e Univasf, sendo utilizado noutras instituições de ensino do Nordeste como UFAL, UFRN, IFCE e UFMA (sendo as três últimas com bônus não de 10%, mas o acréscimo de 20% da nota do Enem).
A Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), por exemplo, reserva 50% de suas vagas para estudantes oriundos de escolas públicas. Mas além disso, dá bônus de 10% da nota do Enem para estudantes (de escolas públicas ou privadas) que concluíram o ensino médio na região imediata do campus. A norma vale para todos os cursos dos campi de Caruaru (CAA) e Vitória de Santo Antão (CAV), com bônus nas notas de estudantes da região Agreste (para cursos do CAA) e da Zona da Mata (para cursos do CAV). No campus Recife o único curso com bônus regional é o de medicina, para estudantes oriundos da região metropolitana do Recife ou da Zona da Mata.
A Universidade Estadual de Pernambuco (UPE), que possui 11 campi no interior do estado, já reserva 50% de suas vagas para o Sistema Seriado de Avaliação (SSA), no qual estudantes fazem o “vestibular” ao fim de cada ano do ensino médio. A instituição afirma que o sistema garante uma forma de inclusão regional, já que mais de 95% dos que aderem ao SSA são estudantes pernambucanos (de escolas públicas e privadas). A outra metade das vagas é disputada através do Sisu, em que a universidade reserva 20% das vagas para estudantes de escolas públicas.
Após três anos debatendo o tema, a UPE aprovou no fim de 2020 a política de inclusão regional com bônus na nota para os cursos de medicina, odontologia e direito. O acréscimo de 10% à nota do Enem vale para estudantes que concluíram o ensino médio em escolas (públicas ou privadas) da região imediata dos campi.
O presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), Bruno de Melo, é favorável à política de inclusão regional. “O DCE enquanto instituição não tem posição formal sobre o tema. Mas eu e outros membros do diretório somos a favor e nos somamos à campanha da UESP pelo bônus regional”, diz ele. “Os estudantes ‘de fora’ normalmente vêm de locais onde há universidades. E acho que é justo que a população desta região, que passou tanto tempo sem universidades, que agora elas possam ingressar”, opina.
Na Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), que possui 6 campi espalhados em três estados (Pernambuco, Bahia e Piauí), a seleção do Sisu 2022 será a primeira com bônus regional, válido para os 35 cursos. O bônus será, a exemplo da UPE, para estudantes de escolas públicas ou privadas da região geográfica intermediária em que fica o campi. A aprovação se deu após mobilização, no último mês de outubro, da União dos Estudantes Secundaristas de Petrolina (UESP), em que reivindicavam bônus de 15% e ampliação (de 50% para 60%) na reserva de vagas para estudantes de escolas públicas.
Assim, os cursos de medicina, odontologia e direito no campus Recife oferecem, na seleção, bônus de 10% para os estudantes que cursaram ensino médio na região metropolitana ou na zona da mata de Pernambuco. Na seleção do curso de medicina em Garanhuns, ganha 10% na nota os que fizeram ensino médio em escolas da região Agreste do estado. E os cursos de medicina, no campus Serra Talhada, e os de odontologia e direito do campus Arcoverde, têm bônus para estudantes que cursaram ensino médio no Sertão.
O campus da UPE em Arcoverde, as seleções via Sisu para os cursos de medicina e odontologia possuem bônus de 10% na nota de estudantes de escolas (públicas ou privadas) do Sertão de Pernambuco; / Robson Lima/Prefeitura de Arcoverde
Cursando artes visuais no campus Petrolina, o estudante é natural do Recife. “Pois é, eu poderia ser contra [risos]. Mas acho justo a universidade tenha mais estudantes da região em todos os cursos, principalmente medicina que é um curso muito concorrido, uma profissão valorizada e esta região precisa de mais médicos”, diz ele, mencionando que estudantes costumam procurar emprego próximo à sua cidade de origem.
Ele afirma que mais de 80% dos estudantes da Univasf concluíram o ensino médio na região onde fica o campus em que estudam. Mas pondera que isso não é igual em todos os cursos. Além de medicina, Bruno cita veterinária, psicologia, engenharia de produção, química, antropologia e arqueologia. “São cursos que, em muitos semestres, têm maioria de estudantes de fora da região”, diz ele, destacando que a situação é mais latente nos cursos de medicina.
Sobre o formato de inclusão regional, ele não sabe afirmar se o melhor seria o bônus com percentual da nota ou se a reserva de vagas. “Não sei se este é o formato ideal, mas certamente foi um avanço. Esse bônus vem para corrigir uma distorção em relação à origem geográfica do estudante, não importa se vem da escola privada ou pública e nem considera a renda familiar do estudante”, diz ele.
Na Univasf a bonificação vale para estudantes de escolas públicas ou privadas da região geográfica intermediária em que fica cada campi; / Ascom Univasf
As políticas de inclusão regional, no entanto, não são unanimidade e muitas vezes são alvo de judicialização. Em fevereiro de 2020, por exemplo, um juiz da 2ª Vara Federal de Pernambuco concedeu liminar que excluía o bônus de 10% para a seleção da UFPE. O tema chegou a ser debatido no Supremo Tribunal Federal (STF) em 2020. O voto do relator do processo, o ex-ministro Marco Aurélio Mello, foi de que a cota regional é constitucional . A questão específica que levou ao debate do tema foi a reserva de vagas na Universidade Estadual do Amazonas. Após o voto do relator, o ministro Luiz Roberto Barroso pediu vistas e a questão até hoje não voltou ao debate.
Projeto de Lei visa dar segurança
Ainda em 2020 o deputado federal pernambucano Danilo Cabral (PSB) apresentou o projeto de lei 4.010/2020, que fala da bonificação percentual de nota na seleção de vagas em instituições federais (de ensino médio, técnico e superior) para estudantes residentes na região em que é ofertado o curso. O projeto foi apensado a um outro PL, o 3.079/2015, de autoria do deputado maranhense Victor Mendes (PSD), que também trata do tema.
Danilo Cabral considera que o Sisu em alguma medida manteve a “elitização dos cursos mais concorridos”, mesmo nos municípios do interior do Brasil. “Quem nasce na região onde está instalada a universidade tem tendência a cursar o ensino superior e permanecer no local, promovendo o desenvolvimento pessoal e também da região”, diz ele, que considera que essas vagas deveriam ser da população local.
O PL por enquanto só foi debatido na Comissão de Educação, que em novembro deste ano aprovou relatório favorável ao projeto. A questão agora está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, caso aprovada, vai ao plenário da Câmara Federal. O deputado considera que a aprovação deve ajudar no “aperfeiçoamento da interiorização do ensino superior”. O PL, segundo o deputado, “visa garantir o acesso dos jovens que moram no interior do Brasil às universidades. Queremos que esse acesso leve também ao desenvolvimento econômico e a inclusão das pessoas na região onde está instalada a universidade”, diz ele.
O autor do relatório do PL 3.079/2015 na Comissão de Educação foi o maranhense Bira do Pindaré, que sugere que a política não seja obrigatória, mas adotada de acordo com a decisão de cada instituição de ensino. Na opinião dele, caso o PL seja aprovado, as universidades estarão protegidas contra possíveis judicializações do processo seletivo. “Só estamos consolidando o que já é realidade”, resume.
Próximo do Congresso Nacional entrar em recesso, o PL não deve ser aprovado a tempo de proteger os processos seletivos do início de 2022. O Sistema de Seleção Unificada (Sisu) têm a abertura prevista para o dia 15 de fevereiro e se estende até o dia 18. É possível que vejamos novamente processos judiciais contestando a bonificação regional. A seleção para o Programa Universidade para todos (ProUni), que oferece bolsas integrais e parciais em universidades privadas, está prevista para acontecer entre 22 e 25 de fevereiro. Já a seleção do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) está prevista para o período de 1º a 4 de março.
Fonte: BdF Pernambuco
Edição: Vanessa Gonzaga
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