Naná Vasconcelos deve ganhar Cátedra na UFRPE após apelo de viúva
EMANNUEL BENTO JANUARY 18, 2022
A necessária divulgação da obra de Naná Vasconcelos no Brasil está prestes a ganhar um importante reforço com a criação de uma Cátedra na Universidade Federal Rural de Pernambuco. Esse tipo de iniciativa institucionaliza uma articulação para realizar diversas ações em torno de uma pessoa célebre em alguma área de conhecimento, a exemplo de congressos, palestras, oficinas, pesquisas, publicações e muito mais. A proposta será elaborada e passará por um processo de apreciação, parecer e aprovação final. Esses procedimentos devem durar, em média, três meses.
A decisão de abrir o processo para a Cátedra foi estimulada pela recente discussão sobre a ausência de um espaço para preservar o acervo do percussionista. No começo do mês, a viúva do artista, Patrícia Vasconcelos, voltou de Nova York, nos Estados Unidos, para desocupar o antigo lar do casal do Recife e deixar em um depósito todo o acervo do artista - composto por instrumentos, roupas de shows, quadros, fotografias, arquivos de jornais e prêmios. O episódio ganhou reportagem neste Jornal do Commércio.
A casa, que fica no Rosarinho, Zona Norte do Recife, não irá se tornar um memorial, como desejava a viúva. Contudo, a discussão sobre a necessidade de preservar essa memória ganhou outros desdobramentos. Em vida, Naná ganhador de oito Grammys, sendo o brasileiro mais premiado, e eleito oito vezes o melhor percussionista do mundo pela "Down Beat", revista de jazz norte-americana.
Sobre a criação da Cátedra
Na semana passada, Patrícia Vasconcelos participou de uma audiência com o reitor da UFRPE Marcelo Carneiro Leão, o pró-reitor de Extensão, Cultura e Cidadania Moises de Melo Santana e o coordenador de Extensão José Nilton Almeida. "A criação da Cátedra era um antigo pedido meu. Eu fiquei muito feliz com essa notícia. Sempre pedi por isso em Pernambuco e em outros lugares também, pois irá me ajudar na parte educacional. A obra de Naná, digamos, vai ter oficialmente um pé dentro da universidade", diz Patrícia, que é curadora da obra do marido, ao .
A UFRPE já tem toda uma relação com Naná. Em 2015, um ano antes da morte, foi essa a instituição que lhe deu o título de doutor honoris causa - o mesmo que Lia de Itamaracá ganhou na UFPE, em 2019. Lá também existe a Escola de Música da Rural - Naná Vasconcelos, inaugurada em 2016 para integrar crianças da comunidade dos entornos nas atividades e promover mudanças sociais através da cultura.
"Naná Vasconcelos é um personagem conhecido mundialmente, talvez pouco reverenciado em Pernambuco e no Brasil. Entramos em contato com Patrícia para que a universidade desse repercussão à obra dele. Inicialmente queríamos criar um memorial na Escola de Música da Rural, mas, como existe uma ideia de criar um memorial no Centro do Recife, foi sugerida a criação da Cátedra", explica o reitor Marcelo Carneiro Leão.
"A ideia é que esse seja um ponto catalisador e focal, que abordará a questão da cultura, da música pernambucana e brasileira. Será algo permanente, que irá socializar e popularizar a obra de Naná em diversas frentes. A criação dessa Cátedra tem uma importância que transcende o papel da universidade, da mesma forma como Naná usou da música e da cultura como forma de transformação social", continua o reitor, em referência ao ABC das Artes Flor do Mangue, trabalho que o músico realizou com crianças carentes.
Nos últimos anos, a universidade também se juntou com a produtora Proa Cultural, do Recife, para idealizar um festival internacional de música para reverenciar na obra de Naná, com apresentações, workshops e debates. Carneiro Leão ressalta que o projeto foi submetido ao Funcultura, edital do Governo de Pernambuco, mas não foi aprovado. Agora, eles buscam outras parcerias e consideram o uso da Lei Rouanet.
Um legado multidisciplinar
Atualmente, a UFRPE não tem curso de graduação ou pós-graduação em música, mas a Cátedra utilizará de outros serviços da instituição. "No campo da música, temos coisas ligadas à musicalização. Além da Escola de Música da Rural, que já homenageia Naná, existe um coral com mais de 50 anos, um dos mais antigos entre as universidades brasileiras, regido pelo maestro Ewerton Marinho", explica o pró-reitor de Extensão, Cultura e Cidadania Moises de Melo Santana.
"Também entendemos que a obra dele está para além da questão musical: tem relação com o teatro, com o cinema, com atividades formativas de musicalização. A nossa ideia é explorar esses vários aspectos, buscando, inclusive, outros grupos que existem fora da cidade e do país para discutir o trabalho de Naná", continua.
Moises de Melo Santana ainda compartilha que a pandemia prejudicou os trabalhos da Escola de Música da Rural. "Nós já tínhamos cursos específicos, com alguns instrumentos, para iniciação musical de crianças da periferia. Mas tivemos problema de manter durante a pandemia e agora estamos retomando. Inclusive, estamos refazendo o projeto da escola, assim como o projeto do coral, que teve uma substituição de regente recentemente - saiu Alexandre Avelar e entrou Everton Marinho."
Reconhecimento tardio em Pernambuco
Juvenal de Holanda Vasconcelos (1944-2016) nasceu no Recife e aprendeu a tocar praticamente todos os instrumentos de percussão. Com essas variadas experiências musicais, mudou-se para o Rio de Janeiro e trabalhou com Milton Nascimento. Nos anos 1970, apresentou-se em Nova York e no festival de Montreaux, na Suíça, fixando residência em Paris e depois em Nova York.
O músico fez diversas parcerias, a exemplo de B.B. King, do pianista e compositor Egberto Gismonti, do violinista francês Jean-Luc Ponty e do grupo de rock americano Talking Heads, liderado por David Byrne. Ainda formou o grupo "Codona" com Don Cherry e Colin Walcott. De volta ao Brasil na década de 1980, colabora com Milton Nascimento, Caetano Veloso, Marisa Monte e Mundo Livre S/A, entre outros artistas. Apenas 15 anos antes de sua morte passou a realizar a abertura do Carnaval do Recife. Hoje, uma estátua reverencia o gênio no Marco Zero da capital.
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