CINTHYA LEITE
cinthyaleite@casasaudavel.com.br
Se levarmos em consideração isoladamente o recorte do número de pessoas com diagnóstico confirmado de covid-19, dia após dia em Pernambuco, assistimos a um declínio diário no volume de novos infectados. Essa visualização dos dados, contudo, exige cautela e deve ser interpretada no cenário de incertezas imposto pela pandemia. Apesar de o Estado ter apresentado queda no número de doentes nos últimos quatro dias (saiu de 1.849 novos casos no último dia 22 para 488 ontem), autoridades de saúde, médicos, sanitaristas, epidemiologistas e bioestatísticos avaliam que é precoce afirmarmos que deitamos a curva epidêmica. Ou seja, precisamos de mais alguns dias para falar se há (ou não) desaceleração da disseminação em Pernambuco.
“Há uma indicação de que o número de internações tenha diminuído nos últimos dias, mas ainda são dados preliminares. Não dá para dizer que é uma tendência permanente. Estamos avaliando o tempo inteiro esse cenário. Essa é uma doença nova, e estamos aprendendo com ela a cada momento. Estudos recentes mostram que a covid-19 não se comporta com um pico único; ela se comporta em ondas, geralmente de aumento e redução de casos mediados principalmente pelas medidas de isolamento social”, explicou ontem o secretário de Saúde do Recife, Jailson Correia, em coletiva de imprensa online.
Projeções feitas em abril apontavam maio como um mês difícil no que se refere ao enfrentamento da epidemia no Estado. De fato, está sendo duro acompanhar a dinâmica da assistência hospitalar, que continua a sentir a pressão que a covid-19 faz na disponibilidade de leitos de unidade de terapia intensiva (UTI). Mesmo com a queda de casos confirmados a partir do sábado (23), a rede estadual de saúde continua a trabalhar no limite em relação à disponibilidade de vagas de terapia intensiva. Ontem permaneciam ocupados, com pacientes que têm diagnóstico confirmado e outros ainda com suspeita de covid-19, 98% dos 615 leitos de UTI administrados pela Secretaria Estadual de Saúde (SES). Além disso, na segunda-feira (25), a fila de espera por vagas de terapia intensiva, no Estado, chegava a cerca de 180 doentes, segundo informou a secretária-executiva de Vigilância em Saúde de Pernambuco, Luciana Albuquerque. Só isso já retrata o quanto ainda não é tempo de se comemorar a queda no gráfico de novos casos diários.
“Nós precisamos nos preparar para o médio e longo prazos. Enquanto a doença e a epidemia persistirem, nós precisaremos viver momentos de aumento de número de casos mediados com as medidas de isolamento social para diminuir a transmissão, o que pode acontecer eventualmente no processo de abertura progressiva, planejada e gradual das atividades. Se houver novo aumento (nesse cenário), precisaremos tomar novas medidas”, esclareceu Jailson Correia.
Professor do Programa de PósGraduação em Informática Aplicada da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), Jones Oliveira de Albuquerque explica que a oscilação no número de casos que acompanhamos nos últimos dias no Estado lembra o que já ocorreu no Reino Unido, França, Estados Unidos e Espanha. “Os gráficos desses países, no meio da pandemia, sofreram acelerações e desacelerações como estas que estamos vivendo agora em Pernambuco”, frisa Jones. Ele acrescenta que o Reino Unido já teve quatro oscilações grandes, que saíram de 1.100 para 480 óbitos. “As pessoas começaram a comemorar e, logo depois, esse gráfico voltou para 1.180 mortes. Por isso, é muito cedo para fazermos qualquer prognóstico para o nosso Estado”, conclui o professor.
Enquanto ainda não se tem vacina contra covid-19 nem mesmo um tratamento específico para evitar complicações da doença, o isolamento social é considerado alternativa eficaz para combater a epidemia. No entanto, a forma como ele tem sido aferido tem sido questionada por especialistas. Professor do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Gauss Cordeiro acredita que se trata de uma medida sujeita a erros.
“O índice de isolamento social é difícil de ser avaliado. Vamos exemplificar o caso em que uma pessoa, com quatro celulares, passa quatro dias em casa. Ela aumenta assustadoramente essa taxa. Por outro lado, aglomerações que vemos no fim de semana, feitas por pessoas sem celular, não causarão impacto sobre o isolamento. Com base na telefonia móvel, esse índice é extremamente falho. Poderiam existir outras taxas medidas através de radar ou de drones”, destaca Gauss. Ex-presidente da Associação Brasileira de Estatística e pós-doutor pela Universidade de Londres, Gauss reconhece o quanto é difícil fazer predições nesta pandemia, porque qualquer previsão para um período superior a 15 dias leva a erros graves.
“Muitos dizem que essa pandemia chega ao fim em junho ou julho. Eu gostaria era que terminasse amanhã; ledo engano. Ela vai se estender por 2021. Claro que vamos ter que voltar (às atividades) no segundo semestre com medidas rígidas, usando máscaras e fazendo o distanciamento social.” O professor ainda destaca que as escolas certamente não devem retomar as aulas este ano ainda. “Se voltarem, surgirão novos infectados e mortes. Mesmo os jovens, com imunidade maior, chegarão em casa e contaminarão pai, tio, avô e assim por diante. É um jogo difícil de se vencer.”
As projeções de Gauss apontam que, até 1º de junho, Pernambuco deve alcançar 2,8 mil a 3 mil óbitos por covid-19. “Para evitar aglomerações, sou a favor do Exército atuando, nos fins de semana, nas capitais mais atingidas pelo vírus, como o Recife. Se houver um só infectado nas ruas, mesmo sem sintomas, ele passa (o vírus) para os outros, que poderão entrar nas tristes estatísticas”, diz o professor.